Comunidade na Amazônia aproveita floresta de forma sustentável e ganha prêmios
Ribeirinhos de Ilha das Cinzas implantaram um projeto de tratamento de água e esgoto. Projeto é feito em parceria com a Embrapa. Ilha das Cinzas: um laboratório de tecnologias ambientais na Amazônia. Qualidade de vida dos ribeirinhos melhora com chegada de saneamento básico e energia renovável. Projeto é feito em parceria com a Embrapa.
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Conheça a Ilha das Cinzas, na foz do Rio Amazonas, no Pará, um lugar de natureza exuberante, onde vive uma comunidade ribeirinhos: agricultores e pescadores, que mudaram de vida nos últimos anos. Eles melhoraram de vida nos últimos anos. Conseguem aproveitar os recursos da floresta e dos rios, em harmonia com o meio ambiente.
A comunidade da Ilha das Cinzas ganhou um prêmio de R$ 1 milhão. Em menos de dez anos, fez projetos de saneamento básico, energia e produção de espécies típicas da Amazônia. Ribeirinho é quem vive na beira do rio e dele tira o sustento e a Ilha das Cinzas é um lugar muito inspirador, onde, nos últimos anos, a população tocou uma série de projetos de geração de renda, com um olhar especial para a floresta e o rio. Com canais menores e mata densa, a ilha abriga 45 famílias que vivem entre a floresta e rio.
A Ilha das Cinzas é um assentamento agroextrativista. É da reforma agrária, formado por comunidades tradicionais. O açaí é o carro-chefe. Tem também pesca de camarão, extração sustentável de madeira. Mas um dos principais problemas da ilha é a água.
“É uma ilusão, porque existe água em abundância, mas é uma água que não é própria para o consumo. A maré quando enche, vai e adentra a floresta de várzea e inunda a floresta, e traz toda uma carga orgânica da própria floresta: restos de bichos em decomposição, toda a folhagem do próprio rio”, explica o engenheiro florestal da Embrapa Amapá, Marcelino Guedes.
Ajudar a Ilha das Cinzas a ter água limpa, potável, é um dos desafios de Marcelino. O Globo Rural acompanhou a equipe dele para mostrar um dos mais novos projetos de tecnologia sanitária desenhado especialmente para comunidades ribeirinhas. É um conjunto de tratamento de água e esgoto.
Para água de beber, ele substitui um jeitinho caseiro, que é o mais comum no local. Em geral, os ribeirinhos da região estocam água do rio em tambores e colocam sulfato de alumínio e cloro, para limpar. Esse tipo de tratamento caseiro nem sempre é suficiente para evitar os problemas.
Para evitar a contaminação, seis famílias da ilha construíram filtros, orientados pela Embrapa. No processo, a água vai passando por cada etapa e a sujeira é eliminada. No final, ainda tem pastilhas de cloro para a água sair limpinha na torneira, boa para beber.
Cada família que participa do projeto ganha a estrutura, que custa cerca de R$ 1,3 mil e se encarrega da manutenção dos filtros.
Mas não adianta tratar a água, sem cuidar do esgoto e tratamento de esgoto é raridade na região. O esgoto está todo infiltrando no chão e numa área que alaga durante a cheia. A sujeira não está indo só para o solo, mas também para o rio, que é de onde as famílias tiram a água para beber.
Para resolver esse problema de água contaminada, a Embrapa desenvolveu uma fossa que é barata e muito eficiente. O banheiro fica no alto, longe do chão e conectado a sequências de caixas de água.
“Os dejetos que saem do vaso já são canalizados para cair na fossa séptica biodigestora. Passando pela válvula de retenção, ele vai cair numa primeira caixa, que é onde acontece a maior parte da biodigestão”, explica Marcelino.
O resíduo do banheiro vai ser consumido, ou digerido, por bactérias que se alimentam das fezes e urina. No processo liberam metano, um gás que sai por pequenos suspiros nas caixas plásticas. No fim, o esgoto vira um adubo líquido. Ele passou por várias análises, e foi liberado para irrigar o açaí e a banana. A fossa não precisa de nenhuma limpeza e fica suspensa, com espaço de sobra para a maré invadir o quintal na época da cheia.
O sistema de tratamento de água e esgoto também está na sede da Ataic (Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas). Aliás, é a associação que gerencia vários outros projetos, como o de placas de energia solar, por exemplo, que produzem toda a energia que a escola da comunidade precisa. Os moradores da ilha também investiram nas placas para ter energia o tempo todo.
Projetos melhoram a produção de camarão e açaí na Ilha das Cinzas
Os ribeirinhos estão melhorando a renda, com açaí, produtos da floresta e camarão, mas não é só a economia que ficou mais forte. As pessoas também estão mais seguras para ocupar um lugar no mundo.
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No fim dos anos 1990, a espécie de camarão de água doce da Amazônia ou camarão regional quase desapareceu e mobilizou muita gente. O plano de recuperação do camarão mudou a realidade da Ilha das Cinzas.
Sete mil famílias pescam a espécie de camarão, na foz do Rio Amazonas. Um cilindro de fibra é o matapi, a armadilha que pega o camarão. Dentro vai uma trouxinha de folha de cupurana com uma massa de babaçu. O camarão entra para comer e não consegue sair. Com menos de sete centímetros, o camarão é filhote. Os pescadores estavam matando os pequeninos, antes mesmo deles reproduzirem.
Era o fim dos anos 1990 quando uma Organização Não-Governamental (ONG) ajudou a comunidade a estudar o declínio do camarão. A solução foi uma caixa com frestas de um centímetro. Depois da pesca, os camarões ficam três dias em caixas vazadas, dentro do rio. Tempo suficiente para os pequenos escaparem pelas frestas.
A comunidade ainda determinou que, em época de reprodução, ninguém pescaria. É um período de defeso voluntário, aplaudido por especialistas em pesca, com o Jô de Farias, biólogo da Embrapa. “A organização social foi crucial para o sucesso do projeto. Eles não só conseguiram avançar no manejo pesqueiro, garantindo os estoques, naquela região, mas eles também conseguiram ganhos sociais que até hoje são percebidos.”
O resultado do plano de manejo não foi só o bicho mais graúdo, grandão, como o consumidor gosta. Na verdade, todas essas mudanças ganharam prêmios e geraram recursos financeiros para tirar muitos outros planos do papel.
Os troféus mais importantes renderam R$ 1 milhão para a Ilha das Cinzas. São da Finep, a Empresa Brasileira de Inovação e Pesquisa, do Ministério da Ciência, que em 2011 elegeu o manejo do camarão como a melhor tecnologia social do Brasil. Tudo com a prestação de contas e ajuda da Embrapa. “Eles apresentaram para gente claramente três demandas principais, a gente precisa de saneamento, de energia, a gente precisa diversificar nossos sistemas produtivos”, conta Marcelino.
Os trabalhos começaram na melhoria da produtividade do açaí. Há pelo menos 15 anos, é a principal renda das famílias da região. E, por conta disso, muita gente dedicou grandes áreas a ele e com muitas árvores. Mas nem sempre um grande número de palmeiras significa uma boa produção do fruto. Foi aí que entrou o manejo do açaí. Em alguns casos, a solução é cortar as árvores para arejar o terreno. Com mais espaço entre os pés, os frutos poderão vir mais fortes na próxima safra, o que gera mais renda para as famílias. Outra novidade do projeto da Ilha das Cinzas, foi melhorar o aproveitamento do pau-mulato, uma árvore grande, de madeira boa, que cresce bem em áreas de várzea, principalmente, em terrenos que já foram lavoura.
O retorno que a plantação do pau-mulato gera é a longo prazo, já o açaí e a banana geram lucro a curto prazo, ou seja, um complementa o outro. Numa área de mata fechada, o pau-mulato cresce cerca de meio metro por ano. Já entre o açaí e a banana, recebe mais luz e dispara: até dois metros por ano. Uma árvore de dois anos vai precisar de mais uns 15 anos para chegar no ponto de corte. O dinheiro que o pau-mulato vai gerar acaba se tornando uma poupança para o ribeirinho.
A Ilha das Cinzas está inspirando outras comunidades na foz do Amazonas. O projeto do camarão, por exemplo, já navegou até o Mazagão, município vizinho e com mais avanços, também com ajuda da Embrapa. A parceria criou uma armadilha sintética, mas baseada em conhecimentos tradicionais. Ela dura cinco anos, custa cerca de R$ 12 e já seleciona o camarão, como o viveiro da Ilha das Cinzas.
Uma história como essa mostra que com organização, dinheiro e uma boa parceria entre comunidade e conhecimento científico é possível transformar a vida de muita gente na Amazônia.